
Chegou ao catálogo da Globoplay no fim de junho a série Raul Seixas: Eu Sou, uma das estreias mais comentadas do ano, e não é pra menos. Lançada em homenagem aos 80 anos de nascimento do cantor, a produção de oito episódios mergulha fundo na vida, nas ideias e nas contradições de Raulzito, um dos artistas mais geniais (e inquietos) que o Brasil já teve.
Logo nos primeiros episódios, a série mostra a que veio. A atuação de Ravel Andrade, que interpreta Raul na fase adulta, é um dos grandes trunfos. Ele não imita Raul — ele encarna. Dá pra ver no olhar, na entonação das falas, na energia explosiva no palco e até na insegurança fora dele. É uma performance cheia de entrega, que segura a atenção mesmo nos momentos mais introspectivos da trama.
Outro ponto alto é a trilha sonora, claro. As músicas aparecem com força narrativa e emocional. Cada canção surge em uma fase importante da vida do Raul, quase como um diário cantado. Quando “Metamorfose Ambulante” toca, por exemplo, já conhecemos bem a confusão interna que move o personagem. Quando “Gita” aparece, entendemos o misticismo que moldava suas crenças. A série respeita as músicas e sabe o peso que elas têm pra quem está assistindo.
Também chama atenção o cuidado estético da produção. Figurinos, penteados, recriação de palcos e capas de disco, além da ambientação do Brasil dos anos 70 e 80 — tudo é feito com capricho. Dá pra sentir a época. E isso ajuda a entrar no universo de Raul, que era, ao mesmo tempo, um cara totalmente fora de seu tempo e profundamente ligado ao espírito daquela geração contestadora.
Mas o que realmente dá força à série é o recorte humano. Raul Seixas é retratado aqui como um homem complexo. Gênio e autodestrutivo. Visionário e perdido. Afetuoso e difícil de lidar. O roteiro não tenta passar pano. Mostra as crises com álcool, os surtos criativos, os relacionamentos instáveis, as parcerias intensas (como com Paulo Coelho), e até os momentos em que Raul parecia se perder de si mesmo. Tudo isso com sensibilidade.
Entre os melhores episódios, destaque para os que exploram a fase com Paulo Coelho e a construção da chamada “Sociedade Alternativa”. A relação entre os dois é cheia de tensão e cumplicidade, e dá muito pano pra manga. E também emocionam os momentos em que Raul tenta lidar com a fama, a saúde frágil e o peso de ser ídolo quando já não se sente inteiro.
Claro que nem tudo é perfeito. Algumas passagens mais didáticas ou lentas no começo podem cansar. Há recriações que soam um pouco forçadas, como uma performance ao lado de Rita Lee que não condiz com os fatos históricos. Mas nada disso compromete o todo. A série acerta muito mais do que erra.
No fim das contas, Raul Seixas: Eu Sou é mais do que uma biografia. É uma viagem por dentro de uma cabeça caótica, brilhante e sensível. É uma homenagem honesta, que emociona quem já é fã e pode despertar curiosidade em quem ainda não conhece sua obra.
Raul sempre foi uma figura difícil de rotular. Um artista que unia rock, misticismo, filosofia e rebeldia, tudo embalado numa autenticidade que nunca envelhece. E essa série, mesmo com seus tropeços pontuais, consegue capturar essa essência.
Pra quem cresceu ouvindo “Ouro de Tolo” ou “Maluco Beleza”, assistir à série é como rever um velho conhecido. Pra quem está descobrindo Raul agora, é um ótimo ponto de partida. Seja qual for o caso, vale a pena dar o play. Porque como o próprio Raul dizia:
“Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.”
E essa série prova que ele foi — e ainda é — tudo isso e muito mais.