Sim, é tardíssimo para emitir opinião sobre os bebês reborn. Tão tarde que a “trend” (que nem é mais do momento) já foi considerada engraçada, depois bizarra, depois apenas um momento lúdico importante, o reflexo de uma sociedade machista, então libertação feminina, exercício saudável de wellness e, em casos de furar a fila do SUS, crime.E nem foram “só” os bebês de plástico que movimentaram as últimas semanas. Teve também a febre dos chaveirinhos Labubu e dos livros de colorir Bobbie Goods. Eu observei tudo quietinha, mas, agora, queria te perguntar: quem é você sem os algoritmos?Acompanho tendências há algumas décadas. O desejo de fazer parte de um grupo sempre existiu, claro. Quem entrou para essa história faz um tempo, e tem sido eventualmente esquecido, é um personagem importante: o algoritmo. São, lembre-se, inteligências artificiais que identificam rapidamente todas as marolinhas que podem virar ondas de tendências e, com o poder de “pulverização customizada” que têm, te entregam o conteúdo que você (e um tanto mais de gente) “quer”, transformando alguns destes conteúdos em verdadeiros tsunamis.Você vê um post da sua celeb preferida indicando um produto; outro do seu vizinho, que viu também e comprou; lê uma matéria sobre o assunto. Sente que só você está de fora, dá o like, compra o que quer que seja, posta, compartilha. De repente, algo que em um mundo não digitalizado seria interesse de um nicho específico vira desejo de milhões. A gente acha que se trata de uma escolha genuína nossa, mas quem escolheu por nós foi uma máquina. Pior: uma máquina programada para nos fazer desejar aquilo. Até que venha a próxima tendência e, depois, a próxima, ad infinitum.

Segundo pesquisa feita no ano passado, 65% dos brasileiros usam as redes sociais para comprar. O Instagram é o ambiente favorito para isso, seguido por Facebook e pelo TikTok – que acaba de lançar o TikTok Shop por aqui e vai fazer o jogo mudar rapidinho. A influência das redes é mais expressiva entre os mais jovens, mais conectados: 72% dos millennials relatam comprar produtos de moda e beleza com base em postagens do Instagram. Já cerca de 80% da Geração Z têm suas decisões de compra influenciadas pelo Instagram e TikTok. A coisa é tão forte que já está virando do avesso: creators têm criticado hábitos moldados pela própria rede social, anunciando tendências que se recusam a adotar ou influenciadores que preferem não seguir. E, pronto, a não-tendência já é tendência da vez.

 

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Quarta-feira, 28/05/2025

UOL – Seu universo online

 

Reprodução web / PHOTO: KUA CHEE SIONG

 

Em tempos de bebês reborn e Labubus, ainda nos lembramos de quem somos?

Maria Prata

 

Sim, é tardíssimo para emitir opinião sobre os bebês reborn. Tão tarde que a “trend” (que nem é mais do momento) já foi considerada engraçada, depois bizarra, depois apenas um momento lúdico importante, o reflexo de uma sociedade machista, então libertação feminina, exercício saudável de wellness e, em casos de furar a fila do SUS, crime.E nem foram “só” os bebês de plástico que movimentaram as últimas semanas. Teve também a febre dos chaveirinhos Labubu e dos livros de colorir Bobbie Goods. Eu observei tudo quietinha, mas, agora, queria te perguntar: quem é você sem os algoritmos?Acompanho tendências há algumas décadas. O desejo de fazer parte de um grupo sempre existiu, claro. Quem entrou para essa história faz um tempo, e tem sido eventualmente esquecido, é um personagem importante: o algoritmo. São, lembre-se, inteligências artificiais que identificam rapidamente todas as marolinhas que podem virar ondas de tendências e, com o poder de “pulverização customizada” que têm, te entregam o conteúdo que você (e um tanto mais de gente) “quer”, transformando alguns destes conteúdos em verdadeiros tsunamis.Você vê um post da sua celeb preferida indicando um produto; outro do seu vizinho, que viu também e comprou; lê uma matéria sobre o assunto. Sente que só você está de fora, dá o like, compra o que quer que seja, posta, compartilha. De repente, algo que em um mundo não digitalizado seria interesse de um nicho específico vira desejo de milhões. A gente acha que se trata de uma escolha genuína nossa, mas quem escolheu por nós foi uma máquina. Pior: uma máquina programada para nos fazer desejar aquilo. Até que venha a próxima tendência e, depois, a próxima, ad infinitum.

 

Segundo pesquisa feita no ano passado, 65% dos brasileiros usam as redes sociais para comprar. O Instagram é o ambiente favorito para isso, seguido por Facebook e pelo TikTok – que acaba de lançar o TikTok Shop por aqui e vai fazer o jogo mudar rapidinho. A influência das redes é mais expressiva entre os mais jovens, mais conectados: 72% dos millennials relatam comprar produtos de moda e beleza com base em postagens do Instagram. Já cerca de 80% da Geração Z têm suas decisões de compra influenciadas pelo Instagram e TikTok. A coisa é tão forte que já está virando do avesso: creators têm criticado hábitos moldados pela própria rede social, anunciando tendências que se recusam a adotar ou influenciadores que preferem não seguir. E, pronto, a não-tendência já é tendência da vez.A influência dos algoritmos passa também pelos filmes ou séries que assistimos ou pelas músicas que escutamos, também sujeitos às recomendações automáticas das plataformas digitais. De repente, estamos acompanhando uma novela por causa dos cortes ou compilados de cenas que chegam às nossas telas sem a gente entender exatamente por que.A gente costumava ficar perplexo quando o Spotify tocava uma música que adoramos, lembra? Hoje, isso é tão natural que, perigo!, novas músicas vão chegando e a gente vai esquecendo que tem algoritmo ali pautando tudo.Quando assisti, quietinha, a esse tsunami de tendências aparecer nas minhas redes nas últimas semanas, eu só conseguia pensar em uma coisa: será que todas essas pessoas desejariam genuinamente esses produtos, se eles não estivessem sendo esfregados na nossa cara com aquele ampliador de inveja universal do primário, o “eu-te-nho! Vo-cê-não-tenhê!”, catapultado por tecnologias criadoras de desejos massivos? Suspeito que não. Sabe qual é uma das situações que mais impulsionam a inovação? O acaso. Algoritmos são ferramentas bastante úteis para inúmeras situações, mas, conforme vão moldando nossos desejos, direcionando nossas decisões, tirando de nós a possibilidade de escolha, de criação, sumindo com o acaso e a surpresa do nosso cotidiano, o mundo vai ficando mais pobre, mais óbvio, homogêneo. Mais frio. Mais plástico.

*Maria Prata

Reprodução web / PHOTO: KUA CHEE SIONG

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