
Com organização, edição e apresentação de Jerónimo Pizarro, o maior especialista nos manuscritos de Fernando Pessoa, conhecemos as missivas de Pessoa para Madge Anderson
Se muitos conhecem Ofélia Queiroz, a quem foi destinada a maior parte das cartas de amor de Fernanda Pessoa, poucos sabem que no fim da vida Pessoa se apaixonou por uma inglesa loira e misteriosa, Madge Anderson, com quem também trocou missivas. Por isso, a coleção Pessoa na Tinta-da-China Brasil ganha um novo volume, com organização, edição e apresentação de Jerónimo Pizarro, o maior especialista nos manuscritos de Fernando Pessoa.
Em Cartas de amor, de Fernando Pessoa, Pizzaro revisa datas, atualiza a grafia, situa as cartas na vida e obra de Fernando Pessoa e reúne novas pistas e documentos, como os poemas que integraram o epistolário amoroso, fac-símiles e fotos. A mais completa edição das cartas de amor. A obra chega às livrarias em formato de álbum visual.
Na publicação, Pessoa se envolve por vezes em intrigas e desconfiança, dá algumas desculpas esfarrapadas — “não foi por culpa minha, mas do meu sono, que faltei à combinação” —, vale-se de diminutivos e, por vezes, até emula uma vozinha de bebê.
A poesia vai se mostrando nas cartas, em figuras de linguagem como a metáfora e a hipérbole, além de repetições e de um ritmo bem trabalhado. Surgem charadas, apelidos carinhosos que Pessoa e Ofélia — sua namorada, que ele conheceu na empresa de sua família, onde ela trabalhava como secretária —, usavam um com o outro e também para partes do corpo. Ofélia é “íbis”, “nininha”, ou às vezes uma “vespa”, uma “víbora”; seus seios são chamados de “pombinhos”, e os “beijinhos” são “jinhos”.
“Pessoa queria ser plural como o universo, e é isso que hoje se verifica: a sua maior pluralização, acompanhada de uma maior universalização. Assim, esta edição procura fornecer um conjunto de textos cuidadosamente estabelecidos, dedicadamente anotados, que renovem e multipliquem os estudos pessoanos, ou seja, estudos sobre Pessoa, mas também da multidão de pessoas que os fazem”, defende Pizzaro, organizador da obra.
Notamos nos textos as voltas de linguagem típicas do autor de “Autopsicografia”: “Como não quero que diga que eu não lhe escrevi, por efetivamente não lhe ter escrito, estou escrevendo”. Os heterônimos também aparecem como personagens das conversas. “Todas as cartas de amor são ridículas”, sentenciou Álvaro de Campos em um de seus poemas, provavelmente depois de ter se intrometido na correspondência entre Pessoa e Ofélia. Vemos Pessoa escrevendo para Ofélia com bom humor, mas também mostrando-se hipocondríaco, dramático e um tanto autocentrado, dedicado a um propósito maior (a escrita), subordinado “à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam”.
Como Einstein e Kafka, Pessoa é o mesmo tipo de gênio, que em algumas das cartas reunidas neste volume coloca a escrita como objetivo principal da vida e a possibilidade do casamento como um entrave.
Quando chegamos às cartas de Madge Anderson — uma advogada —, no fim do volume, vemos finalmente uma mulher colocando-o na linha ao chamá-lo de “velho tonto dramático”.
Há no livro há uma seção de poemas que apareceram nesse contexto de correspondência, além de fac-símiles, fotos e imagens dos objetos que foram colecionados pelos namorados, como caixas de bombons. O livro também acompanha muitas idas e vindas de comboio, pelas ruas, praças, pelos cafés, largos e cais — uma geografia afetiva de um tempo e um lugar.
Sobre o autor
Fernando Pessoa (1888–1935) é hoje o principal elo literário de Portugal com o mundo. A sua obra em verso e em prosa é a mais plural que se possa imaginar, pois tem múltiplas facetas, materializa inúmeros interesses e representa um autêntico patrimônio coletivo: do autor, das diversas figuras autorais inventadas por ele e dos leitores. Algumas dessas personagens, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, Pessoa denominou “heterônimos”, reservando a designação de “ortônimo” para si próprio. Diretor e colaborador de várias revistas literárias, autor do Livro do desassossego e, no dia a dia, “correspondente estrangeiro em casas comerciais”, Pessoa deixou uma obra universal em três línguas que continua a ser editada e estudada desde que escreveu, antes de morrer, em Lisboa, “I know not what to‑morrow will bring” [Não sei o que o amanhã trará].
Sobre o editor
Professor, tradutor, crítico e editor, Jerónimo Pizarro é o responsável pela maior parte das novas edições e novas séries de textos de Fernando Pessoa publicadas em Portugal desde 2006. Professor da Universidade dos Andes, titular da Cátedra de Estudos Portugueses do Instituto Camões na Colômbia e Prémio Eduardo Lourenço (2013), Pizarro voltou a abrir as arcas pessoanas e redescobriu a “biblioteca particular de Fernando Pessoa”, para utilizar o título de um dos livros da sua bibliografia. Foi o comissário da visita de Portugal à Feira Internacional do livro de Bogotá (filbo) e à Festa do Livro e da Cultura de Medellín, e coordena há vários anos a visita de escritores de língua portuguesa à Colômbia. Coeditor da revista Pessoa Plural, assíduo organizador de colóquios e exposições, dirige atualmente a Coleção Pessoa na Tinta‑da‑China.
Ficha técnica
Título: Cartas de amor
Autor: Fernando Pessoa
Organização e apresentação: Jerónimo Pizarro
Coleção: Fernando Pessoa
Editora: Tinta-da-China Brasil
Páginas: 208 pp.
ISBN: 978-65-84835-40-5
Preço: R$74,90
Formato: Brochura, 13 cm x 18,5 cm (bolso)
Lançamento: Abril de 2025
Sobre a Tinta-da-China Brasil
É uma editora de livros independente, sediada em São Paulo, gerida desde 2022 pela Associação Quatro Cinco Um, organização sem fins lucrativos. Sua missão é a difusão da cultura do livro.
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