Reinados, Moçambiques, Congos e Congadas estão presentes em ao menos 16 estados brasileiros e serão atrações do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros

 

O Brasil acaba de dar um passo importante na valorização de sua ancestralidade afro-brasileira. No dia 17 de junho, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) oficializou o registro dos Saberes do Rosário: Reinados, Congados e Congadas como Patrimônio Cultural do Brasil. A decisão reconhece oficialmente um conjunto de práticas centenárias marcadas por devoção, musicalidade, espiritualidade e resistência negra, mantidas vivas por centenas de comunidades em diferentes regiões do país.

 

Presentes em estados como Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Pará, Amazonas e Bahia, os Saberes do Rosário reúnem expressões como os moçambiques, congos, marujadas, catopês, tamborzeiros, caboclinhos e reinados, com rituais que atravessaram séculos preservando um modo de vida enraizado na fé, na oralidade e na força comunitária.

 

Saberes ancestrais na Chapada dos Veadeiros

 

Anualmente, alguns dos mais importantes grupos guardiões dos Saberes do Rosário se reúnem na Vila de São Jorge (GO), durante o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que em 2025 será realizado de 13 a 20 de setembro. A programação inclui Ternos de Moçambique, grupos congadeiros, rodas de conversa, oficinas e cortejos que celebram a memória viva dessas expressões, em diálogo com mestres e mestras da cultura popular de todo o país.

 

Entre os grupos que integram a programação está o Congo de Niquelândia (GO), que canta e dança pelas ruas usando vestes brancas com detalhes em vermelho, lenços e penas de ema — em referência aos índios Avá-Canoeiro que viviam na região. Os instrumentos tocados incluem viola, ganzá, pandeiro e bumbo, que acompanham as músicas entoadas em louvor à Santa Efigênia, considerada uma rainha e padroeira do município.

 

A tradição, segundo os congadeiros, nasceu no quilombo Xambá, formado por negros fugidos das senzalas da antiga Vila Boa, Meia Ponte e São Félix, e foi registrada no século XVIII pelo médico austríaco Johann Emanuel Pohl, que descreveu as celebrações como um encontro entre o catolicismo e as tradições africanas, marcadas por reis, rainhas, cantos e danças dentro da própria igreja.

 

Tradição que ultrapassa gerações

 

O Terno de Moçambique do Capitão Júlio Antônio, cuja tradição familiar se entrelaça com os saberes ancestrais agora protegidos pelo Iphan. Com sede em Perdões, sul de Minas Gerais, o grupo remonta há mais de 300 anos de história, sendo mantido por gerações dentro da mesma família, atualmente sob o comando do Capitão Júlio Antônio Filho, representante da terceira geração. Ele relata que a tradição começou com seu avô, africano que foi escravizado no Brasil e se tornou feitor.

 

“Ele tinha a missão de, todas as noites, ir até a senzala para ver como estavam os negros antes de ir dormir. Um dia, enquanto fazia isso, ouviu um dueto. Ele dizia que era muito bonito. E o que cantavam era algo que deu origem ao nosso terno, o mesmo ritmo que a gente carrega até hoje”, relata Capitão Júlio. Esses e outros relatos estão reunidos na Encontroteca, acervo digital que conta o histórico do Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros.

 

A formação do Terno de Moçambique do Capitão Júlio Antônio inclui um capitão, dois caixeiros, três tocadores de patangome (instrumentos similares a ganzás, feitos com chumbos em estrutura de metal) e sete dançadores que utilizam gungas amarradas nos joelhos, totalizando treze participantes ativos. O capitão comanda o cortejo com um bastão, um lenço branco e um apito, seguindo o alferes, que carrega a bandeira de Nossa Senhora do Rosário.

 

Espaço de reconhecimento e resistência

 

Há 25 anos, o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros é realizado para celebrar, fortalecer e dar visibilidade a esses saberes que muitas vezes seguem à margem das políticas culturais e do olhar da sociedade. Nesse tempo, tornou-se um espaço onde mestres, mestras, brincantes, educadores e juventudes compartilham modos de vida e resistência. Como afirma Juliano Basso, idealizador do Encontro, o evento “é uma encruzilhada de saberes, um ponto de escuta, um território onde o Brasil precisa se reconhecer”. Desde 2001, o evento tem sido um ponto de diálogo com as políticas públicas de cultura e com os marcos do patrimônio imaterial no Brasil. “Não é museu, não é exposição, é roda, é cortejo, é transmissão entre gerações, é encontro”, diz Juliano.

 

Além dos congadeiros, o Encontro reúne dezenas de grupos tradicionais de diferentes regiões e matrizes culturais, entre folias, maracatus, catiras, batuques, danças indígenas, jongos e manifestações quilombolas. A cada edição, a Vila de São Jorge se transforma em um território de partilhas, cantos, cores e afetos, atraindo visitantes de várias partes do Brasil em busca de uma vivência profunda com o que há de mais genuíno na cultura popular. Em 2025, a edição comemorativa de 25 anos promete ser especialmente marcante, um tempo de festa, memória e renovação dos laços que sustentam essa celebração viva do Brasil profundo.

 

Serviço

 

XXV Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros

De 13 a 20 de setembro de 2025

Vila de São Jorge – Alto Paraíso de Goiás (GO)

Realização: Casa de Cultura Cavaleiro de Jorge e Aldeia Multiétnica

Site: www.encontroteca.com.br

Instagram: @encontrodeculturastradicionais

YouTube: youtube.com/@EncontrodeCulturas